Sofia, neta de Fernando Lopes, e Bruno, cinéfilo convicto

“Devolver a Alvalade o cinema como um todo diferenciado”

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Fotografia: Mariana Mota Veiga

A Sofia e o Bruno fazem parte de um grupo de sete amigos que, entre outras coisas, têm em comum o gosto genuíno pelo cinema e Alvalade como o seu bairro de sempre. E ainda a vontade de contribuírem para a criação de momentos e de vivências diferenciadas na sua comunidade. Vivências que alarguem o horizonte, que recuperem memórias, que gerem satisfação com o sentido de pertença a um sítio, a um lugar.

Foi neste contexto que criaram e implementaram, em parceria com a Junta de Freguesia de Alvalade, um projecto que hoje, dia 12 de Abril de 2019, arranca com a exibição do filme Belarmino, de Fernando Lopes. Chama-se Alvalade Cineclube, já aqui falamos dele:

e vamos continuar a acompanha-lo porque “reaver memórias para as transformar em mais vida no presente do bairro” é um dos objectivos do Viver Alvalade.

Para percebermos como tudo começou, falámos com o Bruno Castro e com a Sofia Lopes Machaqueiro, na esplanada dos Coruchéus. Ambos respiram cinema desde a infância. A Sofia, que é neta de Fernando Lopes, tem igualmente na mãe e na avó referências seguras no que a esta arte diz respeito. O Bruno, que é um conceptualista, vibra com a ideia de partilha “de um outro cinema” num bairro que tem no seu ADN o ver cinema, o ir ao cinema, o ter no cinema uma referência de ser e de estar na vida. Ambos especificam que este Cineclube assenta numa ideia de partilha alargada e não de clube fechado sobre si próprio, como antigamente. Até porque, sublinha Bruno, “Alvalade é, historicamente, um bairro fortemente ligado ao cinema. Do Quarteto ao King, passando pelo ACSantos ou pelo cinema Alvalade, apenas uma sala sobrevive num território que tinha outras tantas ofertas. Queremos contribuir para que existam mais oportunidades. E queremos fazê-lo ligando o projector e trazendo filmes diferentes, que puxem pelas pessoas e não pelas pipocas”, diz com humor, mas com veemência.

Sofia recorda que quando nasceram “Alvalade tinha o seu cinema. Crescemos a olhar para os ecrãs do bairro, do Quarteto, do King, do ACSantos, do Alvalade, a aprender a ver, os actores, os planos, os mundos reais e imaginários. E porque tudo isto faz parte da identidade deste bairro e desta cidade, queremos continuar a ver tudo isso onde faz sentido: no cinema”.

E querem continuar a fazê-lo em conjunto. Oferecendo a todos os que vivem em Alvalade e que com a vida do bairro se identificam uma via alternativa, que complemente a oferta comercial, e que abra janelas para outras formas de fazer e de ver cinema. De conhecer uma das manifestações artísticas mais transversais, mas também mais diversificadas de que há memória.

A linha de programação do Cineclube Alvalade reflecte este propósito na perfeição. “A nossa linha de programação pretende dar espaço a cinema menos dirigido a um consumidor massificado”, explica Bruno. “Não teremos só obras de autor. Teremos obras de cariz documental também, por exemplo”, acrescenta.

A programação começa com o já referido “Belarmino”, a história do pugilista que dá nome ao filme e que, para o Bruno, transmite uma visão importante sobre “a cidade de Lisboa e a sua urbanidade”. Ao mesmo tempo, a escolha deste filme para a grande inauguração é também “uma homenagem ao que é o bairro”, ou não fosse Fernando Lopes, o realizador, um antigo residente. Esta obra pertence ao ciclo Cidades Visíveis.

No total, lembra Sofia, vai haver três ciclos diferentes, contando com o Cidades Visíveis. “O mais experimental será preenchido com obras de maior traço autoral, que tanto podem ser vídeo-ensaios como podem ser documentários — a primeira exibição deste ciclo acontece a 3 de Maio e recai sobre esta última categorização, tratando-se de um documentário apenas visual, sem narração, que mostra a cidade nos anos 80.” Este segundo ciclo intitula-se Experimenta-Ver.

O terceiro e último ciclo é um tipo de cinema “mais virado para as famílias”, uma aposta no território infantojuvenil que se inicia com uma homenagem a Vasco Granjae que prossegue depois com outros nomes e outras abordagens. “Como faz 10 anos que ele morreu e todos nós (grupo de organizadores) temos idades entre os 35 e os 40 anos, lembrámo-nos dele”, conta Sofia. “Logo no início de Maio serão exibidos alguns filmes que ele escolheu e que passavam na RTP”. Este terceiro ciclo nasce de uma parceria com o CINED, um projecto europeu de promoção da literacia visual, composto por 15 filmes que retratam diversos temas, entre os quais a infância e a adolescência.

A programação já está fechada até ao mês de julho e contará também com outras exibições paralelas, vários ciclos, que serão sempre compostos por quatro filmes, sendo exibido um por mês. Para já todas as exibições serão feitas no Centro Cívico Edmundo Pedro, na Rua Conde Arnoso Nº5B, em Alvalade (Lisboa).

TRÊS LINHAS DE PROGRAMAÇÃO

O Alvalade Cineclube arranca hoje, 12 de Abril, com a exibição de Belarmino (1964), de Fernando Lopes, às 21.00, no auditório do Centro Cívico Edmundo Pedro. Mas o arranque do ciclo “Cidades Visíveis” é apenas o começo de um projector que vai ser ligado muitas vezes até ao final do mês de Julho.

A segunda sessão, agendada para 3 de Maio, às 21.00, abre o ciclo “Experimenta-Ver”, que começa com Koyaanisqatsi (Godfrey Reggio, 1982), uma experiência visual com música de Philip Glass.

De seguida, chega a homenagem ao grande Vasco Granja, a abrir um ciclo vocacionado para crianças e jovens.

NETA DE REALIZADOR

Sofia é neta de Fernando Lopes, o realizador de Belarmino, filme com que arranca este novo projecto, mas nunca trabalhou em cinema. História é a sua área de formação, a responsabilidade social a área em que trabalha actualmente e de que faz profissão. O Cineclube Alvalade representa para ela, que integra uma família “cinéfila” e “cinematográfica”, uma forma de também fazer parte, de estar dentro, de se sentir a fazer algo numa área que sempre acompanhou e que lhe diz muito do que é, do que aprecia, do que vive, do que sonha. “O cinema faz parte do meu ADN. Pertencer ao projecto Cineclube Alvalade representa um grande orgulho, uma grande satisfação. É, de certa forma, um reviver de tudo o que sempre foi boa parte da minha vida. Do meu avô Fernando à minha avó Maria Otília, com quem vivi e com quem aprendi muitíssimo sobre cinema, à minha mãe, que trabalhou em cinema durante muito tempo, as histórias e as memórias são vastas, ricas, cheias de vida e de entusiasmo”, afirma com um bonito sorriso. E está cá, com o Bruno e com os restantes cinco amigos de Alvalade para dar corpo a um projecto que vai colocar de novo o bairro no mapa do cinema, com empenho, inovação, diferenciação, profissionalismo e um sentido comunitário alargado, para que todos e qualquer um possa fazer parte.

CINÉFILO CONVICTO, AMANTE DA IMAGEM

Bruno Miguel Castro desenvolve projectos na área da imagem e formas culturais desde 2010. Licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e foi jornalista, director de operações, gestor, entre outras coisas num percurso cheio de vida. Faz parte do Alvalade CineClube, do KINO-DOC (núcleo de cinema documental) e da equipa de Direcção do Movimento de Expressão Fotográfica (MEF). É director da revista TEMA, dedicada a fotografia documental. É fotógrafo e cineasta amador, tendo exposto a título individual os projectos “Bicycle Faces”, “Esvaziar o Mar” e “A idade do vinho”. Está actualmente a terminar a curta-metragem “Albumina” e a preparar um documentário em longa metragem.